1- MemÓRIAS DE UM PEREGRINO DO ESPAÇO



Considerando os fatos recentes
Eu vou voltar pra casa
Mas se lá já não tem ninguém
Nem o teto de antes ficou
Aonde eu vou meu abrigar
E por qual porta eu vou sair de novo

Considerando a idade que o tempo deixou
Pra trás
Eu vou me adiantar
E se o fim já não é tão distante
É logo ali adiante
É um velho
Por quem eu vou me cuidar
E por qual corpo eu vou nascer de novo

E se não der tempo
Eu vou correndo
Mantendo eu vou por enquanto
Enquanto há tempo
E se ainda é cedo
Eu vou mantendo
Mantendo eu voo o encanto
E se ainda é cedo
Eu vou mantendo
Mantendo eu voo

Pela Formiga

Conservar
Quem sabe
Um pouco de vida
Talvez
Andar
Pra trás
Na tecnologia
Não vai faltar
Ar pra respirar
Nem água de beber
Será?
Você quer diversão?
Sim
Ou não
Pode ser
Numa próxima vez
Tudo pode ser

Conservar
Um pouco daquilo que tende a salvar a formiga
Em perigo
Ou a própria cidade
Ou o próprio umbigo
Não vai faltar
Lugar pra caminhar
Na calçada falta o chão
E o ar
Que não dá pra ficar sem
Ou será que dá ?
Numa outra visão
Tudo pode ser

Cerveja com churrasco
No telhado
Fim de tarde
Começa um tiroteio
O ano virou
Na cidade que a benção recebeu
E a memória vai te trair
Na melhor das hipóteses
Não vai sobrar nem mesmo a melhor das intenções

Desculpa, é que eu matei a formiga

Vovô Bebê

Monumentos pela antiga idade
Se confundem na cabeça do vovô
Quando pensa numa nova tarde
Estatuetas infantis ao seu redor

Vi!
Nessa criança já se via um rabugento
E no coroa
Tão moleque
Nem viu o tempo
Mal chegou
Fez a volta
Ao se apressar
Que o vovô garoteou
Sem ter bengala
Deu na própria cabecinha
O seu lencinho de ninar
Não vai fazer mais tanta falta

Fim de vida pro recém nascido
Ainda há muito o que aprender o ancião
Faz do túmulo um berço
E traz as fraldas pra ilusão de ser apenas o começo

Brinquedinhos de medicamento
Como gincana numa cama de hospital
Quem engatinha vai jogar xadrez com o tempo
Acaba em xeque, o relógio é digital


Passeata Manifesto

Não ouvi gritar
(não vi eu)
Não ouvi
(não)
Vi ninguém por lá
(não fui eu)
Eu não fui também
(eu sei)
Eu não vi ninguém

Posso ouvir a voz
Do povo que se mexe em casa
Posso ouvir
Mas só de leve

Não ouço gritar
(não vi eu)
Não ouvi
(não)
Tem alguém aí?
(não fui eu)
Quem não veio porque não deu
Não se arrependeu

Posso ouvir a voz
Do povo na internet
Ivete
Marionete

Sabe
Vale a pena
Se juntar pra conversar
Sabe
Vale ainda
Ficar só e só ficar

Não ouvi

Disse me disse

Me disseram que você anda falando por aí sobre o que você ouve dizer
Me contaram sobre o que foi dito enquanto falavam de você
E no meio desse disse me disse você disse não me ouvir
Foi você quem contou que andam a falar por aí mil rumores

Enquanto palavras alheias contarem os encantos da vida
Num canto a verdade sem vez em silêncio por ser esquecida
Se despede sem se apresentar

A verdade não passa de um ponto de vista
Com status de palavra-resposta
E o povo gosta de ser bem informado

Prisão da definição
Papel e caneta na mão
Numa cela
Onde uma única vela
Ilumina um canto só
E você anotando fiel
Cada tal, cada qual
A não ser
Ocorreu
Factual



Saudade do Cordão (com guinga)



Embora eu vá cantar sozinho
Eu quero ouvir soar o que há lá fora
Adivinhando devagar
Brincando de encontrar
Aparição
Como se o chão fosse evitar
Caminhando em melodia
A contragosto eu corro atrás da sombra
Assombra um grito de pavor
Canta o bem e o mal
E cala

Quando o silêncio em mim gritar
Um calabouço vai abrir no meu peito
Cansado de ar
Já me falta a canção
Quando o silêncio insinuar
Um calafrio
Acende o carnaval

No imaginário cordão da cidade
Finjo que a moça pega a minha mão
O amor é de passagem
A noite é uma criança
Sonhar não custa, não
Redime a realidade
Resiste na lembrança
E dança
E dança...

Embora eu vá cantar sozinho

Caseiro

Quando eu chego em casa e sinto frio
Mas não me agasalho
Me jogo na cama
Deito
Rolo
Apago o cigarro
Enrolo
E apago

Melhor assim
Debaixo da saia da cama
Nem sempre é assim
(pesa o cobertor)

Entro
A casa é da vovó
Não reconheço
A moça
Me faz cafuné

Saio
Em pleno meio dia
Furadeira
Mira
O pior é...

Quando amanhece
E o corpo volta a procurar a escuridão
De manhã
Mora um bicho papão



Cidade Vermelha

O inferno chegou
Ou eu cheguei
E vi o céu lá de baixo
No inverno esquentou
Ou eu esquentei
Fervi, fui réu da cidade

Em cada esquina
Dei vida pros meus demônios
Abaixo das nuvens
Rolei a escada divina
Adivinha onde dei com a cara

No inferno tem cor
E eu pintei
Tingi o céu de vermelho
É eterno o amor
E eu amei
Prendi até ficar velho

Ruas vazias
Lotadas de gente
Com fogo
Seria a maldade
O presente de deus
O senhor
Cansado de amor
Ferido

O inferno chegou
E eu cheguei
E vi o céu lá de baixo
O eterno passou
E eu passei
Revi o céu cabisbaixo

FICHA TÉCNICA  

Produzido e gravado por Chico Neves e Pedro Carneiro nos estúdios 304, 304- MG e Aienai entre 2009 e 2014
Mixado por Chico Neves no estúdio 304-MG
Masterizado por Carlos Freitas no Classic Master - SP
Arte Gráfica Felipe Bardy e Guga Liuzzi
Produção Executiva Brisa Marques
Supervisão Geral Márcia Bonome
Arranjos e sons Chico Neves e Pedro Carneiro
Composições Pedro Carneiro, exceto “ Saudade do Cordão “ de Guinga e Pedro Carneiro  
Participações
Conrado Kempers – Violino (faixa 5 e 8), Dilruba (faixa 8)
Guinga – Violão (faixa 6)
Marcelo Caldi – Acordeom (faixa 10)
Pedro Braga – Piano (faixa 10)